Liberais Vermelhos

Somos liberais. E somos vermelhos. Ainda vai discutir?

quinta-feira, abril 12, 2007

ruim é ter que trabalhar

como um desses acadêmicos de história disse num desses textos que preciso ler para as aulas da faculdade todos os dias, a ética do trabalho começou a imperar desde as reformas religiosas do século 16, tendo se aprofundado imenso com a hegemonia do capitalismo industrial no século 18. e dos séculos 16 e 18 passamos ao 21 (e nesse entremeio, é óbvio, existem ainda o 17, o 19 e o 20, nos quais aconteceram muitas coisas importantes que, se necessário, citarei ao longo deste texto). chegamos ao 21, e é nele que vivo, anda completamente influenciada pela ética do trabalho, que já tem portanto uns 500 anos de idade.

aqui no brasil, as ‘grandes conquistas’ (atenção às aspas) da classe trabalhadora (o fato de eu acreditar na existência de uma classe trabalhadora me torna automaticamente marxista?) foram conquistadas (atenção para a redundância) durante a era vargas. na verdade, qualquer estudantezinho (o diminutivo é pejorativo, sim, mas não porque eu ache o estudante de graduação merecedor disso, mas porque a academia despreza qualquer pessoa que tem menos que um mestrado. é apenas uma autoreferência sarcástica que necessita explicação) sabe que já desenrolou-se um debate historiográfico acirrado sobre o tema: os historiadores não conseguem decidir se os ‘direitos’ (aspas são muito úteis em qualquer discurso acadêmico) foram efetivamente conquistados pelos trabalhadores ou se são mero reflexo do populismo praticado pelo tão benevolente presidente getúlio vargas.

e aqui quero (aproveito para) citar a primeira coisa que aprendi na faculdade por força do não-muito científico empirismo, sem que ninguém me ensinasse diretamente: o meio termo sempre parece ser a escolha mais acertada nesses casos (ah, a justa-medida aristotélica, que remonta aos tempos mais remotos e imemoriais do pré-cristianismo). digamos, então, para todos os efeitos, que as ‘conquistas’ dos trabalhadores são conseqüência de uma multicombinação de fatores muito diversos, dentre os quais a mobilização e o populismo. tais conquistas envolvem, além das que não citarei, a jornada de oito horas de trabalho, as férias e o 13° salário.

toda essa verborragia execrável serve tão-somente para introduzir a análise dos três mais básicos direitos trabalhistas que pretendo fazer aqui. vamos começar pelas

férias

(ah sim, antes devo dizer que não consultei a legislação trabalhista, e que todas as afirmações são feitas com base no meu senso comum e que sim, tenho todo o direito de fazer isso)

as férias consistem no princípio de que, para cada doze meses trabalhados, o trabalhador pode dispor de um mês sem trabalhar, pra fazer o que der na telha. acho (o verbo ‘achar’ é condenável em qualquer discurso acadêmico, ainda que todas as certezas científicas acabem sempre dando lugar a novas certezas, inclusive na história) que na verdade as férias acabam sendo vistas como um prêmio pelo trabalho árduo desenvolvido ao longo de um ano, ou apenas como uma oportunidade de afrouxar o nó da gravata e respirar fundo antes que a loucura comece novamente. nenhuma dessas duas coisas me parece, nem de longe, positiva – o que de forma alguma quer dizer que eu seja contra as férias. ah sim. as férias também são aquela oportunidade para colocar em dia todas as pendências que se arrastaram por doze meses e que, para serem postas em dia em um mês, devem ter sua resolução conduzida em velocidade máxima.

o que quero dizer é que A GRANDE CONQUISTA DOS TRABALHADORES – grande merda. o ano tem 12 meses, e de todos eles, eu tenho APENAS UM ÚNICO para cuidar de mim e da minha própria vida. um doze avos de todo o meu tempo, de toda a minha vida, é apenas essa a cota que cabe a mim mesma. pense nos 30 anos necessários à aposentadoria. pense agora nos dez ou quinze anos que se passa dentro de uma sala de aula a fim de capacitar-se para o trabalho. então simplesmente 45 anos do nosso tempo nessa terra (que não voltará jamais) são dedicados de alguma forma ao trabalho, descontando-se as ínfimas férias que são vistas como ‘OH A GRANDE CONQUISTA O GRANDE DIREITO’. sinto dizer que pra mim isso não é suficiente.

suponhamos que um cara viva 70 anos (o que é uma estimativa extremamente otimista, devemos reconhecer). 45 deles são de alguma forma dedicados ao trabalho, das quais não vou descontar as férias, posto que elas também são vividas em função do trabalho – sobram 25 anos, dos quais aproximadamente 10 são de infância (mais para uns, menos para outros, poupem-me de explicações). os outros 15 anos são de aposentadoria, que a grande maioria das pessoas viverá com baixíssima qualidade por conta da idade avançada e dos problemas de saúde – que também são causados pelos hábitos ruins que essa vida de trabalho nos força a adquirir – comer mal por falta de tempo, por exemplo.

ah, claro. aí vocês dizem que a jornada de trabalho é de oito horas, outra grande conquista dos trabalhadores. o dia tem 24 horas. trabalha-se 8, dorme-se 8 e as outras 8 devem ser usadas do jeito que se bem entender. ah, sim, grande merda de 8 horas pra fazer o que der vontade. eu, por exemplo, que sou uma pessoa de classe média (falida, sim, mas ainda média) e que não faço parte da massa de trabalhadores paupérrimos, cuja situação é muito pior do que a minha: dessas 8 horas, uma é para o almoço. na hora do rush pela manhã, uma para chegar ao trabalho (isso porque eu moro relativamente perto dos lugares pra onde devo ir). na hora do rush à noite, outra hora pra voltar para casa. de manhã quando acordo, uma hora para banhar-me, vestir-me e fazer minha refeição matinal. o que me sobra para eu fazer o que quiser? 4 horas. nessas 4 horas do dia eu deverei fazer amigos, fazer sexo, cuidar dos eventuais filhos que um dia posso vir a ter, ler os clássicos da literatura que ainda não li, assistir um filme, cuidar da minha casa, tirar um cochilo, escrever um texto como esse, escrever meus futuros livros e todas as outras MUITAS coisas que fazem parte do meu plano de vida. legal, né. vou conseguir fazer tudo isso com muita tranqüilidade.

bom, sei que fiz uma lista com 3 pontos, e agora eu deveria desconstruir a aura de positividade que envolve o 13° salário, mas estou me cansando, então deixo para depois. se tiver depois, porque não tenho certeza de voltar a esse tema.

vocês podem dar algumas soluções para o meu problema. uma das que consigo vislumbrar é: escolha uma profissão da qual você goste muito, carol, e desta forma trabalhar não será um suplício. bom, gente. eu escolhi estudar história, e isso significa que vou ser professora. não estou tão certa de gostar da idéia, mas enfim, foi isso o que escolhi. mas aqui segue uma breve lista das profissões que eu exerceria com igual satisfação:

bailarina

veterinária

estilista

chefe de cozinha

manicure

geneticista

psicanalista

cabeleireira

musicista

e, principalmente

escritora

cineasta

ta, eu escolhi (ou escolheram por mim) estudar história, e não dança, veterinária, moda, gastronomia, biomedicina ou qualquer outra dessas coisas aí. gostei da minha escolha, mas quem garante que foi a melhor?

dilemas acadêmico-profissionais à parte, a necessidade de dedicar a maior parte da minha vida ao trabalho diminui as chances de que eu possa aprender a fazer outras coisas (como dançar balé ou cuidar da saúde de animais) das quais gosto muito.

primeira solução descartada.

sim, eu até poderia pensar nas outras soluções que me seriam propostas, mas novamente estou ficando cansada e agora também com sono. então, para terminar.

os filósofos, digo, até onde sei, alguns deles, dizem que o ócio é uma maravilha e que a única felicidade possível só pode ser alcançada através da vida contemplativa. não sei bem se a vida contemplativa é o que eu quero. só sei que não quero trabalhar.

ESCRITO NUM CADERNINHO TOSCO NA NOITE DE 26 DE NOVEMBRO DE 2006. DIGITADO E POSTADO NESTA DATA