Liberais Vermelhos

Somos liberais. E somos vermelhos. Ainda vai discutir?

segunda-feira, novembro 13, 2006

Endossando o "mal"...

A velha rixazinha entre pós-modernos e hermeneutas nunca fez tanto sentido a mim quanto nos últimos tempos. De onde parte a pancadaria central? Bom, o assunto começa na própria concepção de "ser" de ambas as partes. Por mais que não se possa conceber uma noção de "indivíduo" universal e comum a todos os autores pós-modernos, vide as diferenças ideológicas e conceituais existentes entre eles, é fácil averiguarmos que todos concordam de maneira cabal num ponto: não se resume um indivíduo à sua condição externa, nem muito menos a seu meio social. Para estes, isto é discurso (oh, novidade?!) de "sistemão", maneira de tentar limitar o homem à sua época. Para os hermeneutas, estes pensadores já mais fáceis de abarcar num "grupo sólido", o homem é homem enquanto ser social, se criando e recriando o tempo todo e estando sujeito às condições do seu próprio tempo. Creio que ambas as partes tem lá seus pontos válidos, mas não é intenção minha ficar aqui tomando partido de quaisquer destes rapazes. O ponto central, e que escapa à boa parte dos estudiosos sem visão ampla de ambas as correntes, é que o discurso hermeneuta tem o caráter de justificar (ou legitimar, caso você seja mais maldoso, hehehe) atos a partir de uma visão contextualizada de seu tempo. E isto eu demorei a compreender com profundidade. Não por acaso, numa aula destas no curso de filosofia (uh, culto eu, não?), um professor bem pós-moderno brincou comigo quando eu citei um hermeneuta (Arendt, pra ser mais exato...): "Ah, hermeneutas? É tudo padreco! hahahaha". Todos riram. O bobão aqui não entendeu de cara. O bobão aqui só compreendeu o comentário após ler um ensaio de um acadêmico católico acerca da obra de Agostinho. O tal ensaísta justificava as beteiróis ditos pelo "santo" filósofo apostólico a partir dessa mesma noção hermenêutica de história: "Ah, ele disse que as mulheres deveriam ser destruídas pelo poderoso deus cristão pelo simples fato de ver suas ações, naquela época, como pecado. Isto tudo, entretanto, não torna menor sua capacidade enquanto filósofo." Nada contra o cara compreender o que levou o cidadão a pensar assim. Agora, tudo contra o cara defender alguma instituição ou indivíduo a partir dessa "compreensão". Entender não é endossar. O que é moralmente condenável prum sujeito deve ser levado literalmente a sério. Defenda sua visão, tome partido! Debata, não perdoe por simpatia... Bom, mas depois de tanto blá blá blá, acabei não explicitando meu ponto nessa discussão toda. Belo dia, estava eu brincando com um dos meus pós modernos favoritos, o digníssimo e insano Antonin Artaud. Artaud atacava de maneira veemente a separação entre autor e obra (saibam, a base do Teatro e seu Duplo, do mesmo autor), ou seja, o que o autor produz deve condizer com "aquilo que ele é". A arte e a vida devem se fundir. Não tenho nem como negar a minha adoração a esse ideal do teatrólogo, mas nunca havia me dado conta, até relacionar a questão com o problema hermenêutico, de como isso tudo é problemático. Se eu não posso separar autor e obra, então eu não poderia NUNCA aceitar ou rejeitar (amar ou odiar!) o primeiro em detrimento da segunda (ou vice versa), sem um altíssimo grau de hipocrisia e/ou de superficialidade envolvidos no julgamento. Quer dizer então, que caso eu admire qualquer constructo da estética nazista eu estaria, mesmo que de maneira inconsciente e "honesta", endossando algo concernente nazismo? Para Artaud, sim. Na sua noção de "razão", isto seria perfeitamente cabível e "menos criminoso com a alma humana" do que a fragmentação ideológica. Mas quem quiser compreender a "racionalidade artaudiana" que vá ler o cara. O nó da questão é: posso amar a arquitetura católica e estarei fechando os olhos ao ascetismo e aos "os crimes morais" da instituição religiosa (de acordo com a moralidade atual, é claro!)? Posso ouvir uma banda com influências neo-nazis enquanto e estar, desta forma, endossando algo do nazismo? Posso me dizer marxista ou liberal e estar, da mesma forma, sendo condizente com ditaduras totalitárias? A resposta, em todos os casos, não apenas para o pobre Artaud, mas também para mim, é SIM. Esperneiem os hermeneutas com seus "julgamentos fragmentados" acerca das criações humanas. A arquitetura católica, a música nazi, a doutrina política, todas essas construções históricas são PERMEADAS por ideologias e SUBJETIVISMOS oriundos, quando não totalmente, em grande parte desses mesmos constructos históricos. Tentar separá-los e admirar "a parte boa" não é apenas uma fragmentação positivista e surreal. É, acima disso, um mal-caratismo gritante com a própria noção de conhecer (e conceber!) o homem segundo a sua condição, tão amada pelos hermeneutas. Sentiu-se um pouco mais nazista, católico e totalitário hoje? Que bom. Estamos aqui justo para incomodar.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Admirar a obra é admirar os fanatismos do autor? Sei não. Essa visão me parece complicada, porque cai em duas questões: 1)Toda obra, e tudo numa obra, é planejado, pensado e esquematizado de acordo com as convicções ideológicas do autor; 2)Toda obra é subjetiva, mas um subjetivismo que não esconde as preferências ideológicas do autor. Não concordo com nenhum dos posicionamentos. Nem com Artaud (você precisa me emprestar esse livro um dia, hehe). Gostar do Michael Jackson não me transforma em pedófilo nem em hipócrita. Deixar de condená-lo por ele ser o Michael Jackson, isso sim, me torna hipócrita e condizente com sua pedofilia.

novembro 14, 2006 12:49 PM  
Anonymous Anônimo said...

Se você fala de obras necessariamente permeadas pelos ideais do autor, então ok. Gostar de uma obra que endossa o nazismo é, claro, ser conivente com o nazismo. Não é a mesma coisa que dizer que gostar das histórias do Kipling me transformam num neocolonialista, ou que gostar dos poemas de Ezra Pound me transformam num anti-semita, ou que gostar do Jorge Amada ou do Sartre me transformam num comunista.

Compartilhar ideais é uma coisa. Por isso acho que gostar da arquitetura católica, por exemplo, não me torna conivente com os princípios da Igreja, nem com os "crimes morais" que ela cometeu (ou comete). Acho que são coisas diferentes.

E MJ é legal à beça.

novembro 15, 2006 12:49 PM  
Blogger carolina said...

Eu gosto do Michael Jackson.

novembro 17, 2006 2:55 PM  
Anonymous Anônimo said...

Rodrigo

Uma discordância. O mal não existe por si mesmo, mas apenas como parasita do bem. O mal contido em uma afirmação maligna de um sistema maligno pode ser (não estou dizendo que sempre é) uma verdade separada de outras verdades. O que você vê de bom dentro da arte de um sistema maligno (ou mesmo de um sistema mediocre), pode ser uma coisa boa, que este sistema supervalorizou, para justificar a supressão de outras coisas boas. Ou pode ser uma coisa boa que este sistema distorceu, de forma a conservar parte da sua beleza, mas justificar os males deste sistema. Isto pode ser inclusive inconsciente por parte do artista(em muitos casos). Portanto existe virtude no mal, caso contrário ele seria tão fraco que nem poderia agir.

Renato U Souza

março 15, 2007 8:02 PM  
Anonymous Anônimo said...

Antes que eu me esqueça;

Qualquer sistema existente neste mundo, criado por seres humanos, é em parte maligno. Se você não tiver senso de escala, rodou. Vai acabar condenando o menos ruim e justificando o pior.

Renato U Souza

março 15, 2007 8:08 PM  

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