Liberais Vermelhos

Somos liberais. E somos vermelhos. Ainda vai discutir?

domingo, dezembro 31, 2006

Eu deveria escrever um texto bem articulado sobre a execução do Saddam Hussein, mas isso está fora do meu alcance agora. Porque tem umas coisas que aparentemente não vão mudar nunca. Há gente, há nações, há MUITAS PESSOAS JUNTAS que acham que são as donas do mundo e da verdade, e isso me deixa profundamente triste. Não que eu achasse a ditadura no Iraque legal. Mas eu ainda sou uma humanistazinha defensora dos direitos humanos que condena a pena de morte. Existem alguns argumentos pra isso, sim, mas eu estou decepcionada com a humanidade e quero falar pouco. A morte é uma coisa muito séria; MATAR é muito sério. Mata-se pra mostrar que é errado matar, mesmo que os que condenam também matem quase do mesmo jeito. E parece desde sempre que a culpa e a acusação são mais importantes do que reparar erros. E agora tem gente que está feliz porque venceu. Vencer é de uma importância, né. E a conciliação que se foda como sempre. É o mesmo papo de todos os dias: a humanidade sempre esteve perdida, desde Guerra do Peloponeso até o 11 de setembro. Até hoje. E assim vai continuar.

domingo, dezembro 03, 2006

Rodrigo passa notícia e a gente fica sacaneando no msn. Depois, vira texto.

"Menino é devorado por porcos na Índia" http://odia.terra.com.br/mundo/htm/geral_70000.asp

Atenção: O texto a seguir é politicamente incorreto.

Esse pequeno trecho foi retirado de uma reportagem seríssima sobre o perigo dos porcos para os seres humanos. Na verdade, isso é o que querem que você pense. É em que desejam que você acredite.
Poucos sabem, e quase ninguém com meia banda de cérebro reconhece, mas o mundo está perto de ser tomado pela gigantesca conspiração de esquerda que surge das sombras para nos ameaçar. A nós, cidadãos de bem. A conspiração, ainda dando oading mas quase terminando, envolver rituais macabros e assutadores mecanismos de controle da mídia.

Por causa desse controle é que você jamais iria saber o verdadeiro sentido da mensagem acima postada. Sim, isso mesmo. George Orwell estava certíssimo, coberto de razão. Os animais da Revolução dos Bichos tomaram o poder. Os porcos comunistas (que, todos sabem, são comedores de criancinhas - os comunistas, não os porcos) finalmente estão dando seu primeiro passo para a conquista. Napoleão à frente, marcham contra os alicerces de nossa civilização "judaico-cristã-de-direita-à-americana": a família e a hora da refeição. Não nos respeitam mais! Perderam o medo! Agiam no escuro, agora nos querem destruir! Malditos porcos gramscianos.

Enfim, tanto faz. Não importa se os porcos vão ou não tomar o poder: tudo por aqui vai continuar na mesma lama. A diferença é que a sujeira será, agora, constitucional. Ou melhor, não será, não. Todo mundo sabe que comunista odeia constituição e essas porcarias burguesas que iludem o povo. Todo mundo sabe que comunista é chegadão mermo numa ditadura de massas, tipo o nazismo ou o fascismo. Todo mundo com meia banda de cérebro sabe disso!
PS: [modo pseudo-intelectual escroto on] Se você não riu nenhuma vez, deveria ler Animal Farm (ou A Revolução dos Bichos, pros leigos). Vai fazer bem à sua meia banda de cérebro. [/modo pseudo-intelectual escroto off]

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Britney Spears sem calcinha

Dizem por aí que a violência está banalizada. Dizem por aí também que o sexo, mais do que nunca, está banalizado. Como eu adoro dizer, é o tempo do pós-guerra fria, a juventude toda é filha da globalização, do capitalismo financeiro, da sociedade de consumo desenfreado. À nossa volta vemos as celebridades instantâneas, os novos fanatismos religiosos, a publicidade imperativa que diz "compre", "tenha", "faça" – outro dia mesmo vi na rua um anúncio de carro surpreendente (ou não) que dizia algo do tipo "compre este carro e pegue todas as mulheres que você quiser" (como se mulheres heterossexuais não comprassem carros, mas tudo bem). O mundo está perdido, a sociedade é uma merda, todo mundo só quer se dar bem e só pensa em dinheiro – estes são alguns dos muitos clichês que escuto por aí. Além dos medos que devemos sentir, claro: em 50 anos os Estados Unidos vão invadir o Brasil pra roubar a água da Amazônia; em 60 anos a camada de ozônio estará destruída e todos morreremos queimados pelos raios ultra-violeta XYZ; os alimentos transgênicos vão causar uma mutação multi-celular nas mitocôndrias do complexo de Golgi dos seus neurônios e por causa disso nascerão novos pares de olhos no seu rosto; ano que vem a CLT será finalmente flexibilizada como não-sei-quem quer e ninguém mais vai ter férias nem 13º. E eu ainda tenho que aturar o moço religioso e alarmado pelo fim dos tempos pregando o evangelho do 14º apóstolo na entrada do metrô da praça Saens Peña.
Não seria difícil enumerar outros mil motivos pelos quais muitos consideram que o apocalipse está próximo (ou algum outro tipo de fim de mundo ou coisa que o valha, para os não-religiosos). Mas eu – na posição de filha do pós-guerra fria devidamente globalizada e digitalmente incluída – eu quero tratar de algo em que tenho pensado um bocadinho ultimamente e que, para umas pessoas que freqüentam os debates feitos na internet, é um anúncio e uma evidência da podridão da sociedade tanto quanto essas outras coisas que citei: a calcinha da Britney Spears. Digo, a falta dela.
Olha, eu sou sim uma pessoa séria, quero dizer antes disso. Se você me perguntar qual o pensamento do Heidegger acerca da metafísica e qual a crítica que ele faz ao existencialismo ateu sartreano, eu sei responder. Sei falar sobre a teoria contratualista do Leviatã de Hobbes e de como ela pretendia servir para legitimar o poder do soberano na Europa do Antigo Regime. Mas eu também leio as notícias do site Babado, do Glamurama e da revista Contigo, e foi num desses aí que vi a Britney saindo sem calcinha de um carro pela décima vez. E depois vi no orkut e no jornal O Globo essa gente do senso-comum (que, no fundo, somos eu e você também) dizendo o quão execrável é essa atitude, e usando um único argumento: "ela só quer aparecer". E o fato de querer aparecer seria conseqüência de uma vontade de voltar a estar no centro das atenções da "mídia" (odeio a palavra "mídia", mas às vezes sou forçada a usá-la), ou de ganhar mais dinheiro, de lançar um novo cd, de ser novamente a preferida no mundo do show bizz ou seja lá o que for mas que tenha a ver com isso. Ela quer chocar, e está fazendo isso de um jeito ridículo, é o que estão dizendo.
Deixarei de lado a minha análise psicanalítica do personagem, e também deixarei de lado as últimas notícias divulgadas a respeito da vida familiar da moça. Minha intenção não é, na verdade, defendê-la – ainda que eu seja fã assumida (mesmo reconhecendo que ela não é lá muito intelectualmente favorecida) e ainda que as músicas dela tenham feito parte da minha adolescência. Até mesmo porque Britney não é a primeira a não ter pudor de usar calcinha. Parece que a coisa está virando moda.
Deixarei de lado, também, qualquer investigação acerca da motivação da Britney, posto que fazer adivinhações está fora da minha capacidade. O que me interessa mesmo é como isso tem sido enxergado, e como uma coisa tão banal quanto a vida de uma celebridade americana, fruto da sociedade de consumo rápido e blá-blá-blá – digo, banal no sentido de ser o tipo de coisa na qual não devemos prestar atenção, como "pare de ler essas futilidades sobre a vida da Britney Spears e pegue 'Assim falou Zaratustra' ou 'Fenomenologia do Espírito' na biblioteca" – como algo desse tipo pode na verdade ser de algum valor para falar, principalmente, da condição feminina hoje (a expressão "condição feminina hoje" é muito pomposa). Não que eu seja uma grande especialista no assunto, nem um projeto de Simone de Beauvoir, mas tipo, pretendo gastar alguns anos da minha vida estudando gênero, e por isso o tema.
Ainda que seja difícil, quero tentar fugir do clichezão de "se fosse um homem, ninguém falaria nada", ou de "homem que come geral é o cara, mulher que dá pra todo mundo é puta, tá na hora disso acabar", embora eu acredite que os dois sejam boas verdades. A princípio, para mim, intimidade é uma coisa que deve ser preservada, digo, é assim que tento levar minha vida, e esse é um motivo pelo qual eu reprovaria não o fato de ela andar sem calcinha, mas de querer ser fotografada nesta condição. Mas, ao mesmo tempo, considero essas fotografias um grande progresso em relação à época em que ela fazia questão de dizer pra todo mundo que era virgem. Não porque eu ache ser putona mais legal do que ser santinha (e isso não significa que eu ache o contrário), mas porque vai na contramão daquilo que ainda se espera das mulheres de alguma forma, por mais "liberal" (não no sentido político, mas no sentido dos "costumes") que alguém seja, e que durante séculos tolheu a liberdade delas (ou nossa). A tal da banalização da figura feminina, que inclui os closes nas bundas de fio-dental na tevê aos domingos, está para mim muito longe da não-calcinha da Britney Spears porque, antes de "preciso ser sexualmente desejada", como me dizem as primeiras, essas fotos significam "eu sou dona da minha vida e do meu sexo". Pode parecer pouco, mas alguma coisa nisso é mais verdadeira que simplesmente uma roupa curta ou um decote provocante na tevê. Sei que a mocinha da qual estou falando (e cujo nome não vou repetir mais uma vez para fins de boa organização textual) tem sido historicamente adepta do recurso de "ei, eu sou gostosa, olhe pra mim", mas não é disso que estou falando – é só da foto sem calcinha, espero que esteja claro. A coisa é que nem todas as mulheres têm peitos durinhos e empinados, barrigas sem excessos ou uma bunda sem estrias nem celulite – mas, no que guardam dentro das calcinhas, todas são iguais (eu sei, é claro que não são, mas você entendeu o que quero dizer). Estar sem calcinha não é dizer "eu sou gostosa", mas "eu sou mulher e posso fazer isso". São coisas diferentes em absoluto, e a última é uma forma muito distinta de auto-afirmação – para mim, muito mais nobre, porque não passa por "sou mais bonita, mais desejada, mais isso, mais aquilo, sou melhor". Além disso, a coisa foge da tradicional e equivocada inversão de papéis que o movimento feminista já enxergou como solução para o fim do patriarcado. Perfeito.
Não que eu ache que ela tenha a intenção de revolucionar as relações entre gêneros no mundo nem nada disso. Muito provavelmente ela nem de longe reflete sobre a dominação sexual que as mulheres têm sofrido durante séculos. Mas, como a gente aprende na faculdade de História, os sujeitos históricos nem sempre têm consciência do momento que estão vivendo. Mas eu mesma não arriscaria dizer que isso é importante, nem que evidencia que passamos por uma transição, nem nada. No fundo, no fundo, só estou aqui escrevendo porque achei o máximo a mulher andar sem calcinha, ir pra boates e ser orgulhosamente muito fútil. Nem eu, às vezes, escapo da vontade de ser uma patricinha burra, gostosa e cheia da grana: parece tão mais fácil.
É claro que em algum lugar do mundo existe um babaca machista – centenas, milhares, na verdade – achando que ela faz isso porque quer dar pra alguém, seguindo os moldes do pensamento estúpido de "mulher que anda de roupa curta quer ser estuprada". Que triste.
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PS. Essa é a primeira vez que escrevo aqui. Algumas explicações são necessárias, portanto: quase nunca escrevo textos curtos, ou seja, do tamanho que um veículo rápido como a internet exige. Dificilmente não escrevo em primeira pessoa – costumo dizer que, se fosse jornalista, eu seria gonzo com toda a certeza. Sou muito pouco acadêmica. Além de tudo isso, esse texto pode sim ser considerado um bocado off-topic, embora não o seja de todo, mas acho que foi uma boa maneira de fazer o meu debut num lugar onde até hoje só homens haviam escrito.